Biologia e a raiz de -4: como anda a matemática nas ciências biológicas

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Quando eu estava no início da graduação os professores e veteranos adoravam perguntar o famoso “porque biologia?” e o que se via que a grande maioria ou era sobra da Medicina/Enfermagem ou simplesmente estava fugindo de disciplinas de cálculo. Ao longo do curso reformas foram feitas na grade curricular e disciplinas como Cálculo I, Estatística I e II foram removidas e substituídas por “Matemática para Ciências Biológicas” (aka “Cálculo I sem Integrais”) e “Introdução a Bioestatística (aka “Leituras Assistidas ao Manual do Biostat”). Enquanto a grade curricular retrocedia em direção ao ensino médio o teor dos artigos e projetos me convenciam de como compreender modelos matemáticos era importante para meu futuro acadêmico; saber estatística tornou-se a diferença entre fazer uma boa monografia ou fazer uma meia monografia. Hoje eu conheço menos matemática do que há 4 anos, talvez porque nunca tenha realmente tocado no assunto, mas tenho perfeita consciência de que equações diferenciais me aguardam no doutorado…

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A vida em um gráfico de linhas…

Recentemente uma série de artigos e cartas na PNAS me chamaram a atenção. Era uma discussão sobre um certo artigo intitulado de “Uso intensivo de equações impede a comunicação entre biólogos” (uma tradução livre da minha parte). Neste trabalho os autores avaliaram artigos publicados em 1993, em revistas de renome e os classificaram em termos de “densidade de equações” – desta forma esperavam identificar trabalhos teóricos e distingui-los das publicações “empíricas”. O resultado foi algo próximo do que muitos esperariam: artigos com muita matemática – os ditos teóricos – são estatisticamente menos citados enquanto artigos com baixa densidade de fórmulas – os ditos empíricos – que, geralmente possuem pouca fundamentação em trabalhos teóricos.

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Atentem que artigos mais extensos são mais bem recebidos em todos os casos. Mas em trabalhos curtos as citações de artigos teóricos despencam. Isso talvez aconteça porque artigos menores sejam mais focalizados o que tornaria seus modelos numéricos de uso mais restrito para quem está de fora da área teórica.

Este trabalho evidência algo que todo mundo já desconfiava: existe um abismo separando os biólogos segundo suas habilidades matemáticas. O artigo causou alguma repercussão pois tanto o título quanto as conclusões sugerem que o uso de recursos teóricos prejudicam a compreensão e divulgação da ciência e entre as soluções sugerem remover as equações dos artigos, descrever modelos com cenários-exemplo ou deslocá-las para apêndices das revistas (longe dos olhos dos leitores). As conclusões causaram alguma comoção que instigou réplicas por todos os lados.

Usar uma coisa sem saber como ela funciona, para mim, é Mágica. Acho abominável como hoje em dia a maioria dos pesquisadores usa cegamente aplicativos de estatística e filogenética sem ter a menor ideia de como funcionam os modelos que os fundamentam…

A maioria dos críticos defendeu o uso da matemática como importante ferramenta para descrição concisa de modelos contrariando a ideia de remover as demonstrações para apêndices e ressaltando a importância da compreensão de equações para o avanço da pesquisa nas ciências biológicas. Fernandes praticamente escreveu um artigo-resposta apontando possíveis erros metodológicos, em um deles os resultados do trabalho mudam quando as revistas tipicamente teóricas são separadas das empíricas pois a segmentação do público em cada uma tem forte efeito no método.

Até sugestões orientadas ao webdesign foram colocadas na mesa!

Eu particularmente subscrevo a opinião de Chitnis e Smith que sugeriram mudar o nome do artigo para “Analfabetismo matemático impede o avanço da pesquisa biológica” além de ressaltarem a importância da educação matemática dentro da biologia e para o avanço da mesma em diversas áreas, algo que Fawcett e Higginson mencionaram, mas pouco defenderam. Espero que a pressão por linhas de pesquisa mais multidisciplinares criem a demanda necessária para favorecer currículos onde a biologia e a matemática estejam mais integradas e que a mentalidade reinante do “biólogos não sabem somar” finalmente acabe.

À título de curiosidade, a raiz de -4 é… 2i

Fawcett TW, & Higginson AD (2012). Heavy use of equations impedes communication among biologists. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 109 (29), 11735-9 PMID: 22733777Fawcett TW, & Higginson AD (2012). Heavy use of equations impedes communication among biologists. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 109 (29), 11735-9 PMID: 22733777

6 respostas para “Biologia e a raiz de -4: como anda a matemática nas ciências biológicas”

  1. Sou bióloga e qdo quiz extender meus resultados da monografia pra uma pesquisa mais específica não tive capacidade. Era preciso usar softwares, saber como eles funcionavam pra encaminhar os dados. Isso me incomodou a ponto de ser um dos motivos de entrar na engenharia cartográfica.
    La temos curso de programação de computadores, além das diciplinas de Cálculo. Quer dizer, apesar de não termos a pretensão de nos tornarmos programadores, TEMOS que saber como funciona. Essa é a falha da Biologia.

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  2. Talvez isso explique porque são poucos os profissionais de ciências biológicas que conseguem chegar ao topo. A matemática é a base do ser humano.

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  3. Talvez o fato de não dominarem matemática explique por que são poucos os biólogos que descobrem novas ferramentas biológicas que serão usadas na medicina, nas engenharias agrárias e ambientais e na biotecnologia.

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